Periodicidade e Pulso (WISNIK, 1999, p. 19)
A onda sonora é um sinal oscilante e recorrente, que retorna por períodos (repetindo certos padrões no tempo). Isto quer dizer que, no caso do som, um sinal nunca está só: ele é a marca de uma propagação, irradiação de frequência.
Para dizer isso, podemos usar uma metáfora corporal: a onda sonora obedece a um pulso, ela segue o princípio da pulsação. Bem a propósito, é fundamental pensar aqui nessa espécie de correspondência entre as escalas sonoras e as escalas corporais com as quais medimos o tempo. Porque o complexo corpo/mente é um medidor frequencial de frequências. Toda a nossa relação com os universos sonoros e a música passa por certos padrões de pulsação somáticos e psíquicos, com os quais jogamos ao ler o tempo e o som. No nível somático, temos principalmente o pulso sanguíneo e certas disposições musculares (que se relacionam, sobretudo, com o andar e suas velocidades), além da respiração. A terminologia tradicional associa o ritmo à categoria do andamento, que tem sua medida média no andante, sua forma mais lenta no largo, e as indicações mais rápidas associadas já à corrida afetiva do alegro e do vivace (os andamentos se incluem num gradiente de disposições físicas e psicológicas). Assim, também, um teórico do século XVIII sugeria que a unidade prática do ritmo musical, o padrão regular de todos os andamentos, seria "o pulso de uma pessoa de bom humor, fogosa e leve, à tarde". Os indianos usam o batimento do coração ou o piscar do olho como referência, esse último já próximo de uma medida mais abstrata, como aquele que certos teóricos chamam "duração de presença" (a maior unidade de tempo que conseguimos contar mentalmente sem subdividi-la). Essa seria uma unidade mental, relativamente variável de pessoa para pessoa e que, como lembram bem os defensores da música in natura, é mais importante do que o tempo mecanizado do metrônomo e a cronometria do segundo (Segundo Jacques Brillouin, a sensação do tempo se dá de maneira contínua, mas é constituída por "acontecimentos mais ou menos complexos chamados duração de presença", isto é, certas porções de tempo cujo sentido para nós formaria "um todo". A duração de presença cobre, conforme o indivíduo, um espaço de tempo de 0,6 a 1,1 segundo. Em cada indivíduo ela é consideravelmente "estável" (com o que se poderia dizer que ela corresponde a uma espécie de "pulso" mental implícito). "[...] se ouvimos uma série de batidas iguais entre si, temos uma tendência natural a reuni-las em grupos cuja duração seja próxima de uma duração de presença: cada grupo forma assim um conjunto que se apresenta como um todo. O primeiro golpe de cada grupo tende a parecer mais forte que os outros: ele desencadeia a passagem de uma duração de presença à seguinte. Um ritmo que não nos parece nem lento nem rápido se organiza no interior de um compasso ou de um grupo de compassos cuja duração equivale a uma duração de presença."). O fundamento dessa unidade de presença estaria possivelmente em certas frequências cerebrais, especialmente no ritmo alfa (sobre o qual voltarei a falar, por causa de sua importância para o caso das ondas sonoras), que alguns consideram como o ritmo (ou, mais exatamente, o pulso) cerebral que serve de base à interpretação dos demais ritmos. Os sons são emissões pulsantes, que são por sua vez interpretadas segundo os pulsos corporais, somáticos e psíquicos. As músicas se fazem nesse ligamento em que diferentes frequências se combinam e se interpretam porque se interpenetram. REFERÊNCIA
WISNIK, José Miguel. O Som e o Sentido. Uma outra história das músicas. 2ª ed. São Paulo : Companhia das Letras, 1999, 285 p.
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